
Sobre a realidade da convivência humana, pretendemos, com estes pensamentos, entender o motivo que leva pessoas a formarem seus conceitos enfocando a realidade do professor. Atentando para o fato de que toda impressão se constrói mediante aparências externas[1], poderemos considerar que a posição precavida ou preconceituosa são portas de passagem para a compreensão, e, muitas vezes, a sustentação de tal posição ou opinião. Pretendemos teorizar sobre a construção da posição do indivíduo e o aparente respaldo do grupo.
Achamos importante mencionar o significado de preconceito e precaução utilizando a Doxa. Desta forma, respectivamente, o significado: opinião formada antecipadamente e sem reflexão; prevenção, cautela antecipada.
Posto isso, entendemos que, para se formar uma opinião, ou um conceito, o sujeito deve receber estímulo externo e, por isso, cabe a indagação sobre o que causa a impressão; qual imagem é apreendida.
Sempre que indivíduos se deparam com o externo, o primeiro contato pode causar uma sentimento de receio diante do novo seguido de falsas certezas oriundas de suas convicções. A fundamentação deste raciocínio está baseado na sua experiência de vida. Trata-se de um mecanismo de defesa enquadrado num processo de análise. Tudo para a auto preservação e, portanto, absolutamente normal em se tratando de uma pessoa.
Na seqüência, a primeira impressão é substituída por certezas mais consistentes e as falsas idéias vão sendo trocadas por outras mais “verdadeiras”. Naturalmente, esta análise cabe ao conhecedor, àquele que está formando opinião.
A segunda parte cabe ao conhecido, ao que está externo, aquele ou aquilo que chega, que causou a impressão. Ora, se estamos falando de conhecer, estamos falando de interação e troca de mensagens, expressas e tácitas, as quais nos permitem organizar o seu sentido. Contudo, admitindo que conhecemos mais facilmente o que podemos ver, um fará o papel do outro para o outro. O que é está sendo conhecido por terceiros, o primeiro também se torna um conhecedor.
Em se tratando de pessoas de outras raças, grupos e credos ou, simplesmente, diferentes do que nos é comum, o entrave segue numa segunda etapa pela contrariedade das convicções. Certezas que se baseiam no comportamento em relação com o seu “igual”, lança mão do sectarismo. Pressupõe-se que a coesão de pensamento estabelece as afinidades e trabalhos. Ou seja, objetivos.
Gostaria de ressaltar que, por enquanto, não consideramos os paradigmas entendendo que estes são fundamentados pelo mito, pois pretendemos entender o conceito na sua origem o qual será sempre um preconceito devido a impossibilidade de conhecer o todo ulterior.
Assim, gostaríamos de nos referir ao habitus na intenção da palavra de Bourdieu[2] que diz: “sair da filosofia da consciência sem anular o agente na sua verdade de operador prático na construção de objeto.” Ou seja, o sujeito sempre será o construtor de suas convicções utilizando suas impressões.
Desta forma, os “iguais” se entendem ou deveriam se entender a partir da visão do outro diferente. Queremos dizer que o diferente percebe quem são os “iguais”. Pois, de acordo com a ação social de Weber[3], o indivíduo age, “tem uma conduta a qual o próprio agente associa um sentido. É aquela ação orientada significativamente pelo agente conforme a conduta dos outros e que transcorre em consonância com isso.”
Lembramos que para ser igual, tem que se enquadrar num mínimo de padrão o qual podemos começar utilizando o que já foi mencionado. Portanto, do ponto de vista do conhecedor, aquele grupo que está dentro de um padrão de igualdade, deveria ter afinidade e objetivo comum. Na ausência deste requisito, a coesão, consideração e compromisso é entendido como verdadeiro e, por este motivo, imediatamente, o conhecedor pondera não existir respeito entre os “iguais”. Desta forma, se “eles” não se respeitam por serem, principalmente, divergentes, não têm força para expressar sua identidade pessoal e coletiva. Estão soltos em meio a grupos mais organizados e coesos. Assim, acredita-se que estes não têm um futuro seguro e próspero. Atualmente, a palavra futuro é muito utilizada para classificar algumas personalidades. Basta que lembremos de um termo muito utilizado na atualidade pelo senso comum: “beltrano não tem futuro”. Assim, podemos perceber a importância da perspectiva ascendente nos valores vigentes como prosperidade, segurança, inteligência etc.
Encontramos então, aquele que não se reconhece, não se percebe em meio à sua realidade e, consequentemente, não é reconhecido por quem gostaria de ser reconhecido. Por exemplo: um brasileiro numa colônia japonesa no Brasil. Perscrutando o pensamento divergente, existe a falsa certeza da diferença entre os iguais. Talvez uma inconsciente compreensão do que Bourdieu[4] afirma sobre classe: elas não existem, “o que existe é um espaço de relações... no qual as mudanças de lugar se pagam em trabalho, em esforços e sobretudo em tempo...”
Contudo, não podemos deixar de refletir sobre a realidade, admitindo que este posicionamento individual do sujeito que não se percebe em seu contexto, é o motivo da divergência, da dispersão e da falta de força do grupo igual.
É uma análise que exige reflexão constante.
A partir desta explanação geral sobre a formação de conceitos, gostaríamos, agora, de adentrar no âmbito escolar e tentar demonstrar a realidade desta instituição utilizando o entendimento acima.
Para ilustrar, podemos utilizar um exemplo muito útil para o entendimento.
Em nossa atividade de professor, pudemos conviver com vários tipos de alunos e professores. No que diz respeito ao aluno, encontramos comportamento diversos dentro e fora da sala de aula. Para aqueles que tinham alguma dificuldade, os pais eram chamados para tomarem conhecimento do fato. Muitas vezes, ignoravam, desprezavam o relato e, consequentemente, agravava o problema do filho/aluno a ponto de esses alunos não mais quererem dar ouvidos aos apelos dos educadores. Em contrapartida, o abandono do aluno se dava também pelos professores. Certamente o raciocínio deste profissional estava calcado na atitude dos pais. Se os pais não se importavam, porque eles deveriam se importar, se os pais não têm respeito, consideração e responsabilidade pelo seu igual, o seu filho, nenhum outro grupo o faria incluindo o corpo docente.
Por outro lado, a visão dos alunos com relação aos professores se baseia, também, no olhar e comportamento da hierarquia do grupo. Se baseia na relação da instituição com o educador e na relação do professor com o professor. Ora, se a escola vê no professor um mero repassador de informações onde a sua importância é proporcional ao seu padrão de vida, o qual é oriundo de seu trabalho, ou seja, se os seus vencimentos não lhe permitem uma posição social e econômica admirável; sua presença e sua posição profissional é tão importante quanto a presença de um transeunte. Acrescente, ainda, que os colegas não se respeitam corporativamente a ponto de não se importarem com a representação da categoria; nem mesmo se organizam em favor desta. O resultado é a leitura tácita do aluno fazendo-o entender o valor de seu aprendizado como sendo supérfluo e mentiroso.
Gostaríamos de ressaltar que o conceito faz parte do aprendizado e de acordo com Antunes[5], “aprender nada mais é do que descobrir significados, estabelecer conexões, associar o que se ouve a experiências e emoções vividas.”
Portanto, cabe o questionamento: o que ensinamos tacitamente para nossos alunos é equivalente ao que é expresso?
Para colaborar na formação da resposta, seria útil discutir a partir da ação social de Weber. Ora, se o indivíduo se relaciona dentro dos tipos de ações, todas elas têm seu respaldo em valores. Mesmo que surjam novas teorias sobre o comportamento humano, os valores irão sempre regular suas preferências ou ideais. Mesmo que parta do indivíduo para o grupo ou do grupo para o indivíduo. Comportamento está, em nosso entendimento, diretamente ligada a valores.
Assim, quando nos deparamos com as variáveis valores, indivíduos e grupos, imediatamente nos recordamos das fases do desenvolvimento moral de Piaget. Portanto, se o sujeito tende a galgar conhecimento para sua autonomia, gostaria de expor sobre nossa compreensão de ética.
Para Chaui[6], após uma longa discussão e fundamentação, o sujeito ético terá que ser consciente de si e dos outros. Ser capaz de reflexão e de reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele.
Entendemos, de forma simples, que a ética tem o seu respaldo na moral. Enquanto que a primeira se encontra no campo das escolhas, a segunda está no campo dos valores. Ou seja, o sujeito só poderá tomar uma posição consultando suas prioridades valorativas. Portanto, exatamente a diferença pessoal nas prioridades é que determina as diferenças de escolhas ou posicionamento ético. O que seria ético para uns, não o é para outros. Assim, inversamente, a aproximação das prioridades de valores é que agrupam e dão força aos indivíduos.
O caos na internalização de vivências acaba por colaborar para a disparidade e discordância nos caminhos a serem trilhados. Certamente que poderíamos passar por moralistas diante de nossa explanação, contudo, nossa intenção é trazer para discussão a falta de embasamento e, portanto, objetivos para se atingir uma meta. Para nós o embasamento está em valores morais, os objetivos estão nas escolhas éticas e a meta eqüivale ás etapas com êxito nos propósitos.
Podemos, então, compreender que a consciência que cada indivíduo tem sobre si e sobre sua realidade, acaba por contribuir para o êxito ou para o fracasso de seus projetos individuais/ coletivos. Ao mesmo tempo, favorece a reprodução de tais práticas através de seus educandos.
[1] IANNI, Otavio , FERNANDES, Florestan: MARX – SOCIOLOGIA, Ed. Ática, São Paulo, SP, 1996.
[2] BOURDIEU, Pierre. O PODER SIMBÓLICO, Ed. Bertrand Brasil S/A, Rio de Janeiro, RJ, 1989.
[3] COHN, Gabriel, FERNANDES Florestan: WEBER – SOCIOLOGIA, ed. Ática, São Paulo, SP. 1997.
[4] BOURDIEU, Pierre. O PODER SIMBÓLICO, Ed. Bertrand Brasil S/A, Rio de Janeiro, RJ, 1989.
[5] ANTUNES, Celso. TRABALHANDO HABILIDADES: Construindo idéias. São Paulo, SP, Ed. Scipione, 2001.
[6] CHAUI, Marilena. CONVITE Á FILOSOFIA, Ed. Ática, São Paulo, SP, 1998.
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