CURSO FORMAÇÃO DE PREÇO

6/14/2008

Sobre o perdão de cada dia



Outro dia, prestei atenção a uma passagem bíblica que muito se utiliza nas religiões cristãs. Trata-se da parte que fala no evangelho sobre o perdão. Em Mateus 18,22 é possível ler sobre esse assunto de “perdoar não somente sete vezes mas setenta vezes sete vezes”. Inclusive, acredito que tem ligação com a maldição de Deus sobre Caim relatada no antigo testamento. Por ter matado seu irmão, Caim deveria ser errante e peregrino sobre a terra e avisou que quem o matasse seria sete vezes castigado (Gen 4.13-16).

Acontece que essa passagem vem de um período que as lutas e a lei do talião era absoluta. As vinganças, as violências, as impaciências e as intolerâncias prevaleciam nas relações sociais da época. Nessas circunstâncias, de que forma Jesus poderia contrariar a palavra de Deus do antigo testamento para falar sobre a libertação através do amor contido na Boa Nova? Aliás, até os dias de hoje, essas duas passagens ainda disputam espaço no íntimo humano. Elas vivem em conflito permanente. Afinal, é mais fácil perdoar ou vingar-se?

Num primeiro momento, penso que é mais fácil vingar-se, pois o instinto prevalece sobre a inteligência. É como uma resposta imediata que vem do sentimento de auto-preservação e de indignação. Essa atitude se justifica noutra citação: “por causa da dureza de vossos corações”. Contudo, quando você pensa esse sentimento fazendo passar pelo crivo da inteligência, a razão começa a mostrar que existe outro caminho apesar de mais difícil. É o caminho do perdão. Na verdade, o fato de entender isso não significa conseguir fazer. É necessário, além da sabedoria, uma coragem que poucos têm para realizá-la. Acho mesmo que somente com exercícios constantes é que é possível experimentar os resultados positivos dessa decisão de perdoar. É necessário perseverar. Mas perseverar no exercício de quê?

Voltando a passagem do evangelho que fala de perdoar, pude perceber que ela está formulada como uma recomendação reativa. Ou seja, somente quando os outros fizerem algo, você deve reagir da forma proposta, quer dizer, perdoar setenta vezes sete vezes. E isso é muito difícil, pois estamos mexendo em uma localidade de muita força e poder, o ressentimento. Sendo assim, como poderíamos viver livres da força desse sentimento rancoroso que precisa ser transformado? Penso que a saída é observar outra passagem do evangelho focando no que existe de mais interessante: “Amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”. O que contém na segunda parte desse dito, é o mesmo que: faça ao outro o que gostaria que fizessem contigo. E isso é pró-ativo. Você não espera que o outro faça a você. Pelo contrário, você faz para o outro independente do comportamento dele. Como você gosta de ser bem tratado, estrategicamente Jesus nos põe em xeque, pois desafia nossa inteligência. Pretende que a razão se sobreponha à emoção. Pretende que um propósito maior se sobreponha a uma questão menor. Utilizando o bem, pois gostamos de ser bem tratados, Jesus pretende que a humanidade se trate bem para quebrar a cultura do rancor que ainda prevalece sobre o amar ao próximo como a ti mesmo. Mas vai além quando propõe tacitamente a superação do perdão. Ou seja, por enquanto, só conseguimos amar quando conseguimos perdoar. Penso que Jesus quer mais que isso. Ele pretende que a segunda etapa já se estabeleça.

Assim, para vivermos sem a necessidade do perdão, é necessário antecipar-se a essa atitude ou reação agindo de forma pró-ativa. E o começo se dá de forma simples. Basta fazermos uma pergunta silenciosa e íntima: como eu gostaria de ser tratado por essa pessoa que vou tratar agora?

Por isso acredito que a proposta de Cristo é que se deve olhar para como podemos agir e esquecer de como devemos reagir. Assim, fazer o bem setenta vezes sete vezes significa acreditar na educação, na justiça, na gentileza, na paciência, na atenção apesar das frustrações e contrariações sofridas na convivência humana e por causa dos Homens. Esse é o exercício, essa é a coragem. Ser pró-ativo e não reativo. Trata-se de amar sem esperar ser amado.

No lugar de a relação ser pautada pela lembrança rancorosa, ela passa a ser conduzida pela crença nos resultados das boas ações. Assim, no lugar de ser contabilizado as ingratidões e dívidas dos outros para com o sujeito contrariado, passa-se a projetar os nossos deveres inteligentes nas relações com os outros. Não somente por causa do outro, mas por causa de algo maior que os agentes interativos, o eu e o outro, mas por causa do que será gerado como benefícios sociais ulteriores.


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